sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Contra-partida

Eu deveria arrumar as malas,
ir embora;
mudar de vida,
mudar de história.

Deixar para trás
cada pedaço de mar revolto,
todo desprazer da saudade,
todo caminho torto que tomei
para escapar dessa chantagem.


Mas não consigo,
não prossigo
nessa caminhada desajeitada
sem luar, sem sacada,
sem pernas pra chegada.

O peso de separar-me
das coisas queridas,
das lembranças perdidas
impede-me de prosseguir,
seguir em viagem
rumo ao horizonte sem sua imagem.

Sua imagem impede,
persegue,
desmerece
todo o esforço de pensar,
toda a angústia de sofrer,
toda a vontade de rir,
toda a dor
que seu bem-estar me custou.

Seu sorriso atormenta,
sua intelectualidade não tenta
e seu olhar frequenta
essa mente vazia de adornos,
desenfeitada em sonhos
de te querer, amor.

Vulgariza a preciosidade
do momento de saída,
da porta fechada em saudade
de quem se foi para
adiante
tentar a vida
rastejante.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

At(or)

Em experimentação
uma encenação qualquer
de tentar desfazer
um mal-entendido
divertido.
Uma ação de caráter duvidoso,
um amor tendencioso
para suprir a falta que você faz.
Qualquer ato maníaco
como atentado ao pudor,

ao pudor de te querer
e de tentar esconder
essa loucura que
os loucos chamam de amor.
Loucos por gostarem de sentir
um medo, um horror
De deixar de sentir
aquele frio abrasador.
Malucos por ti,
torcedores por mim
no discurso da oratória,
pondo à prova e
dando a mão à palmatória
porque esse sentimento
deixou de ser história
e passou a ser...
amor.

Cadum

Respeite a farda,
submeta-se a arma;
sua alma já está fadada
à ignorância.
Morta está a criança;
agora somos todos homens,
todas mulheres;
perdemos toda a liberdade,
perdemos a infância.
Presos estamos,

na intolerância que criamos.
Perdidos somos,
cansados estamos;
sem forças, paramos.

Não andamos, não choramos;
nossos próprios direitos não respeitamos.
Cada um pertence a si,
cada um reforma o "todos".

domingo, 23 de setembro de 2012

Apaga-a-dor


Seu nome tá marcado,
tá virado,
tá de cabeça pra baixo,
tá escrito ao contrário,
tá tatuado.

Tô tentando,
jurando apagá-lo.
Não tá dando,
tá queimando,
tá ardendo
nesse peito machucado.

Prometo,
prometo que tento,
prometo que apago,
Tento apagar,
tento rasgar
essa dor que brota em
briga de cão e gato.

Tô apagando,
você não tá ajudando,
tô tentando,
mas você nem tá se esforçando.

Tô apagando
com lágrimas e promessas.
Tô rezando
ajoelhado nos altares,
rezando todas as rezas.
De simpatias e quebrantos,
tô apagando,
estou te apagando,
estou te esquecendo,
estou te matando...

Amador

Essa mania de amador
que fala que entende das coisas,
da vida, do amor.
Essa história de se garantir,
de brincar, de falar 
pra se divertir.
É um conto para aumentar pontos.
Quer figurar entre outros tantos...

Tantos tontos.
Finge que não ama,
fala com seriedade,
age sem drama,
só para não mostrar a verdade.

Tá apaixonado esse aí.
Olhar sério,
sorriso fechado
quando ela passa
de saia rodada
fazendo pirraça
deixando-o sem dormir.

Pra disfarçar, faz piada.
Para sorrir, faz graça;
Para dormir... Ah, não tem dormir.
O sono vai embora
quando ela passa.
A macheza vai embora
quando ela passa.
Quando ela passa,
leva seu coração embora,
e a sua cabeça roda.

Essa guerra já perdeu,
tentou e lutou,
mas na praia já morreu.
Está apaixonado
esse ama-dor.

sábado, 22 de setembro de 2012

Contrariedade

Para ela
sua presença era insubstituível
e seu beijo, imperdível.
Provavelmente, o ar não lhe era tão necessário
uma vez que o perdia a cada encontro.
Cega, surda e muda,
ficava a cada visão,
som e pergunta.
Obedecia-lhe o ritmo,
dançava seu passo,
cantava para ser ouvida por ele
somente.
Para ele,
sua voz era inaudível
e sua dança, incompatível.
Ela não lhe era tão necessária,
já que só não se sentia sozinho.
Infeliz, sonolento e desanimado
ficava a cada encontro,
ligação e mensagem.
Não respondia suas perguntas,
perdia o ritmo,
tampava os ouvidos a sua música
ausente.
Ela corria, ele fugia.
Ele desligava, ela tentava.
Ele era o não e ela o por favor.
Um Yin-Yang sem sentido e complemento.
Eram uma verdade
que a iludia e bastava;
uma mentira
que ele detestava, mas mantinha.

Samba de vontade

A saudade é um bocado de tristeza
que faz bem e mal também,
mas é da nossa natureza
sentir falta de alguém.

E esse alguém
também sente
uma falta de carinho,
uma falta de ter gente
ali dentro do seu ninho.


Já está cansado de ser sozinho,
já está a procura de abrigo
um abraço, um beijinho
e não só um ombro amigo,
mas um aperto de amor.

E de amor e verso-amor
ele vai seguindo com a dor
cansado de ser sozinho
à procura de carinho
e de alguém que também procure
por um pouco de paixão,
um pouco de saudade,
um pouco de felicidade,
um cadinho de amor.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

‎"Eva viu a uva."


Ela viu, nunca comeu,
seu sabor nunca sentiu,
mas ela viu.
Estava posta sobre a banca

longe do alcance de suas mãos,
próxima o suficiente de seu olhar.
Saboreava-a.

A uva ali parada
fôra colhida e posta à venda.
Desejava ser alimento,
seu bom gosto era destinado a isso.
Não percebia a admiração
brilhando de fome nos olhos de Eva,
mas desejava lhe pertencer.

Desejo mútuo,
desejo contido.

Eva controlava-se para
não tomá-la para si.
Continha-se. Massacrava-se.
Salivava.

Ela e a uva ali.
Ambas proibidas de se pertencerem.

Boticário


"Não deveria escrever por você. Não deveria nem ao menos sofrer, imagine então escrever. Mas é o modo que encontro de, sei lá porque, divagar sobre querer ou não você."  

Acho que não.
Acho que não quero.
Acho que não merece.
Acho que não sustento.
Não quero esquecer,
não quero deixar,
não quero deixar
pois não me sustento
por gostar tanto assim de você.
Dane-se.
É assim que é:
no fundo eu acho,
aqui dentro eu quero,
minha mãe acha que mereço,
mas ninguém aposta que eu aguento.
Eu acho que vai
durar o suficiente para logo acabar
e que vai acabar quando
o que durou não mais sustentar.
Querer eu quero,
sempre quis, assim como você,
assim como qualquer um
ser um pouco, talvez um muito
feliz.
Minha mãe te acha o máximo
modéstia a parte, culpa de minha propaganda.
Falei que você era remédio;
se falasse que era droga,
teria que entrar em tratamento.
Isso é vício,
ninguém aposta por isso.
É arriscado,
e gostar assim
já não é tolerado,
nem para você
nem para mim.
Deixe.
Deixe passar.
Mas ajude,
ajude a curar.
Afinal você é o remédio, lembra?
O problema é que
tomei-o em altas doses,
viciei
e agora você é contra-indicado.
Faz-me mal.
Mas, lá no fundo,
me faz um bem danado.