quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Uma pimenta que não arde aos olhos e que é doce aos ouvidos

19 de janeiro: um dia histórico.
Pessoalmente, não sou o tipo de pessoa que dorme em dias históricos, ainda mais quando esses dias significam muito para mim. Se eu dei sorte, dormi esta noite umas 3 horas, o que é completamente fora do meu padrão de sono de férias. E, agora cá estou em frente ao pc para escrever um pouco sobre um mito, uma história, uma mulher nada convencional.
Mas o que posso eu dizer sobre Elis Regina? Que direito tenho? Não sei responder e nem me preocupo em lhe responder estas questões. Sei que a voz mais potente do Brasil acompanha-me desde os meus primeiros dias no útero de minha mãe. Sei que eu não seria nem de perto a pessoa que sou hoje se não tivesse escutado aquela voz e posso afirmar que a música brasileira, em geral, teria muitas páginas a menos nas partituras do seu concerto se Elis não tivesse existido.
Elis, a menina tímida no comportamento era dona de uma potência vocal sem vergonha de ser potente. E a timidez não era páreo para a imensidão de alma que morava dentro daquele corpo de 1,53 m de altura. Era só abrir a boca e pronto: os ouvidos se inclinavam para escutá-la e toda aquela força, aquela vida, aquela intensidade sem medidas eram liberadas e doadas para o público.
Em minha vida, sempre soube que somente os bobos não mudam de opinião. As mudanças fazem parte da vida e nosso aprendizado para qualquer assunto, principalmente para enfrentar o mundo lá fora da janela, depende de nossas mudanças. E Elis não era boba. Por isso mudava tanto, era tão inconstante. Era muita vida que circulava dentro dela, e essa circulação não poderia parar. A renovação tinha que ocorrer sempre e a charmosa estrábica sabia disso.


Agora, imaginem a dificuldade de todos para entender que a  Pimenta  era ardida só quando queria. Nós, todos nós, que estamos acostumados a ficar estancados em algum momento da vida, vendo esta passar e morrendo de medo da renovação, não conseguiremos jamais entender o que fazia o coração de Elis bater. É complexo e intenso demais para nós.  Ninguém, nem mesmo a Elis saberia dizer. Dessa forma, como poderíamos afirmar qualquer coisa sobre a cantora ou a mulher, a não ser que seu talento é inigualável e único, totalmente único na música brasileira e, quiçá, na música internacional?
O que sabemos (e o que não sabemos) de Elis é tudo o que ouvimos das pessoas que conviveram com ela e são histórias de pessoas que participaram de uma parte da história dela. Nunca saberemos tudo que marcou a alma de Elis, mas saberemos tudo que Elis deixou marcado em nossos corações. Apesar de eu sempre valorizar muito as letras das canções para considerar a emoção que irei sentir e tal, aprendi com a maior cantora do Brasil que a interpretação também é capaz de deixar marcas, capaz de me fazer entender o que a música passa além do que meus ouvidos sentem. Elis é uma espécie de sinestesia. Só de ouvi-la, você consegue vê-la, e só de vê-la, seus “olhos ouvem-na”. Elis é basicamente isso: esse tudo inexplicável. Uma história que mudou a minha vida e que, com certeza, mudou a sua, mesmo que você não saiba.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Não é só uma opinião

Acompanho há algum tempo alguns dos protestos mais famosos e pouco ou mal noticiados na mídia brasileira, como os protestos na USP, em Teresina e em São José dos Campos. E uma dúvida tem me assombrado: por que o Estado se preocupa tanto em lutar contra os protestos populares? E não se trata de uma luta pacífica, muito pelo contrário. Não pergunto como se eu não soubesse a resposta, pergunto para que o leitor se faça essa pergunta. Não me interessa saber se você (perdoe-me a intimidade) é ou não a favor dos acontecimentos na USP, da ocupação do terreno de Pinheirinho em 2004, ou se acha que a passagem de ônibus deve aumentar conforme a inflação. O que eu quero saber é se você já se perguntou: o Estado se importa com qual parcela da população? Com aquela parcela pobre, aquela parcela que deixará de comprar um filãozinho no dia ou na semana para sua família porque os centavos para o pão serão direcionados para chegar ao trabalho que, muitas vezes, é informal e cujo salário não terá o aumento de acordo com o salário mínimo, e mesmo assim andará em pé e sem o menor conforto durante uma hora ou mais até chegar ao local de trabalho ou no próximo ponto de ônibus? Com aquela parcela que não tem um teto, que suou muito para poder construir um barraco de madeira para abrigar a família e não deixar os filhos ao relento? Ou com aquela parcela que tanto lutou e luta contra os resquícios da Ditadura Militar, para assegurar a autarquia das Universidades? Penso que o Estado se importa mais com os lucros dos grandes empresários das empresas de ônibus, com as posses territoriais de quem mal cuida de seus terrenos. E, sim, o Estado se importa em manter sua autoridade na cadeira da reitoria da maior faculdade do país.
A nossa Constituição permite que tenhamos o direito a manifestos populares, e, mesmo assim, os governantes usufruem dela para nos negar esse direito, ao afirmarem que quando o exercemos em vias públicas com grande circulação de pessoas acabamos atrapalhando o livre direito de ir e vir. Leitor, você realmente acredita que se trata da defesa deste último direito? Pois eu afirmo que nossa circulação pelo território nacional não é de interesse dos que estão no Congresso, nas câmaras e outros antros políticos. Afirmo que não podemos (e digo na primeira pessoa do plural fazendo referência aos estudantes, sindicalistas, sem-tetos e qualquer outro grupo de pessoas declaradas livres pela Constituição) protestar em grandes vias públicas porque dessa forma nossas exigências, nossas defesas seriam ouvidas por mais pessoas e acabariam por tomar conta dos ouvidos do povo. Não, nós não podemos ter tanta abertura. É muito perigoso... para o Estado. Mas é claro que, em pleno século 21, os governantes não podem deixar transparentes seus lados ditatoriais. Nós podemos protestar, mas em algum beco onde não circulem pessoas, onde não possamos ser ouvidos.  Aí sim estaremos exercendo nosso direito de protesto e respeitando o direito de ir e vir, sem incomodar ninguém, muito menos os políticos.
E quando nos negamos a deixar as pessoas na alienada surdez das grandes vias? Aí mandam os senhores policiais para nos calar. E não somos calados com um simples “psiu”, não. Infelizmente nos negamos a ficar calados, pois já nos bastaram os 20 anos de silêncio forçado. E, assim sendo, começam os lançamentos de bombas de gás lacrimogênio, o avanço da tropa de choque batendo com os cassetetes no escudo para mostrar seu poder de arma, e os cavalos são forçados a nos pisotear. E enquanto isso, na televisão, somos chamados de vagabundos, preguiçosos, invasores e tantos outros substantivos que causam repúdio. Outro modo de tentar calar a voz da população. E é um meio muito eficiente, eu confesso. Afinal, homens engravatados com uma câmera profissional, um bom maquiador e uma boa iluminação no estúdio são muito mais atraentes do que negros, pobres, “hippies” andando na rua, correndo da polícia, segurando faixas, sem contar que o salário também é muito diferente.  
Toda a oposição aos direitos do povo ocorre assim. Na verdade, essa oposição é contra um único direito: o direito de saber quais são os deveres do Estado para com a população. O dever de nos garantir moradia, alimentação, educação, saúde e tantos outros.  Portanto, resta-nos saber se queremos superar tudo o que é contra nossos direitos. Eu quero, e você?